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A Gestão da Água e a participação popular

Os moradores do Município de Itu/SP sofrem com a estiagem prolongada. Diversas são as notícias divulgadas nos meios de comunicação que demonstram a situação caótica que vive a cidade. 

O prefeito de Itu, Antonio Luiz Carvalho Gomes “Tuíze”, tendo em vista o risco de “paralisação total do abastecimento de água potável no Município e considerando a necessidade da adoção de medidas urgentes para gerenciar todas as ações já efetivadas e aquelas ainda necessárias para a completa solução da escassez de água”, promulgou o Dec. nº 2160/2014, que instituiu o Comitê de Gestão da Água. 

O Comitê foi criado tendo como objetivos “estudar, propor, decidir e viabilizar medidas e ações a serem tomadas pelo Município da Estância Turística de Itu e pela Empresa Concessionária do Serviço de Distribuição de Água e Tratamento de Esgoto, visando minimizar ou solucionar o revés resultante da escassez da água no Município.(art. 1º do Dec. nº 2160/2014)”.

Os membros que compõem o Comitê estão relacionados no art. 2º do Decreto supracitado. No entanto, ainda que o porta-voz do Comitê, o Secretário Municipal de Segurança, Trânsito e Transporte, Cel. Marco Antonio Augusto, tenha declarado ao “Jornal Tem Notícias”, da emissora TV Tem, que o grupo será composto por representantes da sociedade civil, o Decreto não prevê a participação de populares. 

Dessa forma, a constituição do Comitê de Gestão se mostra inconstitucional. Vejamos.

O Art. 225, da Constituição Federal, proclama que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A Lei Orgânica de Itu, em seu art. 142, reafirma que a defesa e proteção do meio ambiente cabe a “todos e, em especial, ao Poder Público Municipal, para o benefício das gerações atuais e futuras”.

O Min. Celso de Mello, no julgamento do MS nº 22.164-0/SP, conceituou direito ao meio ambiente “como um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações”.

Portanto, a preservação e defesa do meio ambiente cabe tanto ao Estado quanto à coletividade.

Paulo Affonso Leme Machado, na obra Direito Ambiental Brasileiro, 22ª edição, 2014, pg. 126, ensina que “a participação popular, visando à conservação do meio ambiente, insere-se num quadro mais amplo da participação diante dos interesses difusos e coletivos da sociedade (…). O voto popular, em escrutínio secreto, passou a não satisfazer totalmente o eleitor”.

Sobre a noção de democracia representativa, o autor argumenta que “a ausência de um conjunto de obrigações dos eleitos, previamente fixadas, tem levado as cidadãs e os cidadãos a pleitear uma participação contínua e mais próxima dos órgãos de decisão em matéria de meio ambiente”.

Por fim, o autor cita a sábia lição de Alexandre-Charles Kiss: “o Direito Ambiental faz os cidadãos saírem de um estatuto passivo de beneficiários, fazendo-os partilhar da responsabilidade na gestão dos interesses da coletividade inteira”.

Ademais, a Declaração do Rio de Janeiro, da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, de 1992, em seu art. 10 diz: “O melhor modo de tratar as questões do meio ambiente é assegurando a participação de todos os cidadãos interessados, no nível pertinente”.

Paulo Affonso, na obra supracitada, pg. 152, assevera, ainda, que “o Poder Público passa a figurar não como proprietário de bens ambientais – das águas e da fauna -, mas como um gestor ou gerente, que administra bens que não são dele e, por isso, deve explicar convincentemente sua gestão”. O autor conclui que a “aceitação dessa concepção jurídica vai conduzir o Poder Público a melhor informar, a alargar a participação da sociedade civil na gestão dos bens ambientais e a ter que prestar contas sobre a utilização dos bens de ‘uso comum do povo’ concretizando um Estado Democrático e Ecológico de Direito’”.

Assim, parece claro que a gestão da água carece da participação da sociedade civil, sob o risco de ferir o próprio Estado Democrático de Direito.

E, ainda que assim não fosse, pela análise do arcabouço institucional da gestão dos recursos hídricos, podemos afirmar que a gestão da água exige a participação popular. 

A Lei nº 9.433/97, que regulamentou o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

A Política Nacional de Recursos Hídricos estabelece que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades (art. 1º, VI, da Lei nº 9.433/97). 

De outro lado, podemos observar a participação popular na gestão da água em âmbito nacional, através do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, e estadual, através do Conselho Estadual de Recursos Hídricos. No entanto, a nível intermunicipal, temos os Comitês de Bacia, já que a Bacia Hidrográfica é a unidade territorial para gestão das águas (art. 1º, V, da Lei nº 9.433/97).

Logo, tendo como base o princípio da simetria das formas, em relação à gestão da água a nível municipal, devemos ter a participação da sociedade civil na gestão dos recursos, uma vez que os estados (sentido lato sensu), “no exercício de suas competências autônomas, devem adotar tanto quanto possível os modelos normativos constitucionalmente estabelecidos para a União, ainda que esses modelos em princípio não lhes digam respeito por não lhes terem sido direta e expressamente endereçados pelo poder constituinte federal” (LEONCY, Léo Ferreira. Uma proposta de releitura do “princípio da simetria”, Disponível em http://goo.gl/GJsS9D, 21.10.2014).

No mesmo sentido: “(…) tornou-se a federação brasileira, cada vez mais, uma federação orgânica, de poderes sobrepostos, na qual os Estados-membros devem organizar-se à imagem e semelhança da União; suas constituições particulares devem espelhar a Constituição Federal, inclusive nos seus detalhes de ordem secundária, e suas leis acabaram subordinadas, praticamente, ao princípio da hierarquia.” (MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 170).

Logo, outra conclusão não se infere senão a de que o Dec. municipal nº 2160/2014 é inconstitucional, uma vez que não prevê a participação popular.

Destarte, é direito dos cidadãos a participação na formação das decisões administrativas relativas ao meio ambiente, seja para garantir a transparência das ações tomadas pela Administração Pública, seja para possibilitar a construção coletiva de ações.

 

 

 

 

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